TRANSMISSÃO DE SABERES ETNOBOTÂNICOS NA ETNIA JENIPAPO-KANINDÉ, AQUIRAZ, CEARÁ Leidiane Priscilla de Paiva Batista/ leidianepriscilla@gmail.com/ Universidade Estácio de Sá Edson Oliveira de Paula/ Universidade Estácio de Sá Tharcia Priscilla de Paiva Batista Matos/ Universidade Estadual do Ceará Eixo Temático: Educação, diversidade e Inclusão social Resumo A Educação Ambiental é fundamental a qualquer indivíduo na busca da compreensão do mundo, bem como na tomada de consciência no intuito de conservar os recursos naturais. Logo, todas as sociedades humanas são portadoras de saberes ambientais adquiridos historicamente. Deste modo, comunidades tradicionais transmitem seus ao longo de gerações, consolidando o seu próprio processo educacional. Os conhecimentos etnobotânicos das populações se constroem no processo de produção e reprodução social, através da relação que desenvolvem com recursos da flora que manejam (BRANDÃO, 2007). Diante do exposto, objetivou-se compreender como a comunidade realiza o seu próprio processo de Educação Ambiental e analisar o papel dos membros mais velhos da comunidade na transmissão de saberes. O trabalho foi realizado com a etnia Jenipapo-Kanindé, localizada no município de Aquiraz, Região Metrolitana de Fortaleza (RMF). A referida comunidade ocupa área de 1.100 ha em torno da lagoa costeira Encantada. Durante quatro visitas à comunidade, foram entrevistados vinte moradores. Os principais critérios para escolha dos entrevistados foram a idade e o tempo de residência no local, partindo-se da premissa que as pessoas mais antigas na comunidade são os principais portadores de saberes sobre as plantas medicinais. Para isso, utilizou-se o método Bola de Neve (BAILEY, 1987), que consiste em solicitar aos entrevistados a indicação de novos participantes que atendam aos critérios pré-estabelecidos pelo entrevistador. A entrevista foi parcialmente estruturada, possuindo tópicos fixos e outros redefinidos ao longo da entrevista, direcionando a conversa para o objeto pesquisado (VIERTLER, 2002). Dessa maneira, os entrevistados falaram sobre o uso medicinal da flora encontrada espontaneamente na mata local. Entre as plantas citadas, foram feitas referências a oito com atributos medicinais e uma com ação abortiva. São elas: aguapé (Eichhornia crassipes), almesca (Protium heptaphyllum), ameixa-selvagem (Ximenia cafra), batata-de--purgo (Operculina alata), cabeça-de-nego (Caput nigri), jatobá (Hymenaea courbaril), juá (Ziziphus undulata), jurubeba-branca (Solanum sp). Ao longo das entrevistas, os moradores narraram histórias de seus antepassados, relatando como estes transmitiram saberes etnobotânicos ao longo das gerações. Este processo é antes de tudo educativo, despertando historicamente nos moradores da comunidade o respeito à natureza e o manejo ecológico dos recursos ambientais. Com relação ao uso medicinal do jatobá, foi relatado, além do modo de preparo, a importância de, após a ingestão do líquido, ir banha-se na Lagoa da Encantada para que o processo de cura se efetive. Nota-se, que as relações estabelecidas entre os índios Jenipapo-Kanindé e o ambiente são bem mais complexas do que a simples apropriação dos recursos naturais, expressando a intensa ligação entre esses índios e a natureza. A planta popularmente chamada de cabeça-de-nego foi apontada como possuidora de propriedades abortivas. Um dos entrevistados advertiu, em caráter educativo, acerca do perigo do uso de tal planta, pois, além de causar o aborto, pode causar a morte da mulher que a utiliza. Outra planta identificada pelos moradores como medicinal foi o aguapé, planta nativa da América do Sul, introduzida nos ecossistemas lênticos do Nordeste brasieiro. Segundo os entrevistados, essa planta pode ser encontrada na Lagoa da Encantada, servindo para tratar inchaços no queixo provocados por dores de dente. Ainda, segundo os entrevistados, a almesca apresenta propriedades analgésicas inerentes a casca de seu tronco. Outra observação feita pelos moradores é que o fruto não é comestível. A ameixa selvagem também foi lembrada nas entrevistas por ter fruto comestível e raiz útil no tratamento de ferimentos. Neste trecho, os moradores fazem uma relação entre a parte do vegetal utilizada no tratamento de doenças e o fato do fruto ser ou não comestível. Isto também foi notado no uso da jurubeba-branca, pois durante as entrevistas a casca e o fruto deste vegetal foram apontados para confecção de lambedor para o tratamento de gripe e resfriado. Assim, percebe-se que o uso ou não do vegetal para a alimentação parece ser um fator preponderante na classificação da planta medicinal. Nestes termos, pode-se concluir que as classificações dos recursos naturais são influenciadas pelos usos, indicações sociais e relações estabelecidas entre um determinado grupo e o meio em que ele habita (LÉVI-STRAUSS, 2008). A batata-de-purgo é considerada pelos moradores como um purificante, auxiliando no tratamento de doenças estomacais. Por último, o juá foi relacionado ao tratamento de doenças do couro cabeludo (dermatite seborréica) e contra parasitas do mesmo (piolho). No relato das diversas possibilidades de usos dos vegetais para o tratamento de doenças e para a indução do aborto, percebe-se a construção de uma consciência que reconhece a possibilidade das relações de dependência entre homem e meio. Esta construção de consciência pode ser considerada em essência como sendo uma manifestação natural da educação ambiental (FIGUEIREDO, 2007). Ainda entre os entrevistados, houve relatos nos quais se afirmava que os remédios caseiros possuíam maior importância para a comunidade no passado. Na aldeia Jenipapo-Kanindé, existe atualmente um posto de saúde que funciona em regime de plantões esporádicos com dias específicos. No entanto, há cerca de vinte anos, a rede pública de saúde não era acessível para os índios desta aldeia. Assim, durante muito tempo a única alternativa de tratamento era as plantas medicinais, propiciando uma riqueza de conhecimentos sobre as propriedades das mesmas. É possível que os jovens índios Jenipapo-Kanindé não sejam portadores de tanto conhecimentos sobre as plantas medicinais quanto os idosos, haja vista que os medicamentos farmacêuticos são de fácil acesso hoje em dia para a comunidade. De toda forma os idosos continuam sendo principais educadores ambientais para a comunidade, pois guardam em si uma relação mais intensa com os conhecimentos etnoecológicos e etnobotânicos. Concluiu-se que a etnia indígena Jenipapo-Kanindé realiza educação ambiental de caráter popular expressado na transmissão de saberes etnobotânicos sobre as plantas medicinais ao longo das gerações. Assim, acredita-se que as comunidades tradicionais, entre elas a comunidade indígena Jenipapo-Kanindé, possuem o seu próprio processo de educação ambiental, pautado nos saberes comunitários e concretizado na convivência e nas atividades diárias dessas populações. Aponta-se a possibilidade de elaboração de um programa de educação ambiental formal para além da educação popular realizada no cotidiano comunitário. No entanto, defende-se que esse programa busque a valorização dos saberes tradicionais, assumindo como principais portadores desses saberes os idosos. Palavras-chave: Educação Ambiental, Etnoecologia, Comunidade Tradicional Referências BAILEY, K. D. Methods of Social Research. 3. ed. London: Free Press, 1987. BRANDÃO, C. R. Educar, ousar utopias: da educação cidadã à educação que a pessoa cidadã cria. Escritos abreviados. Série Cultura/Educação-6, 2007. DIEGUES, A. C. S. A construção da etno-conservação no Brasil: o desafio de novos conhecimentos e novas práticas para a conservação. São Paulo: NUPAUB - USP, 2007. FIGUEIREDO, J. B. A. Educação Ambiental Dialógica: as contribuições de Paulo Freire e a cultura sertaneja nordestina, 1ª ed, Fortaleza: Editora UFC, 2007.