RESUMO. Esta comunicação fundamenta-se nos conceitos de dominação masculina e violência simbólica, segundo Bourdieu, para analisar criticamente o discurso jurídico-normativo enquanto instrumento estruturado e estruturante da ordem social, com destacado papel na imposição e na reprodução da dominação. A norma jurídica reflete em muitos aspectos esta violência simbólica das relações sociais assimétricas entre gêneros, funcionando como instrumento e catalizador da dominação, o que evidencia a importância de trazer à luz suas incongruências para contribuir com o debate sobre o tema. Utilizando os conceitos de Bourdieu, portanto, afirmamos que o Código Penal ao dispor sobre o consentimento juridicamente válido da gestante maior de 14 e menor de 18 anos no artigo 126, caput, confrontado com o que prevê o artigo 128, parágrafo único, expressa a violência simbólica da dominação masculina. Os artigos 126 e 128 tratam de situações em que o consentimento da gestante tem repercussão jurídica. No caso do artigo 126, o consentimento da gestante com 14 anos surte efeitos jurídicos relevantes na medida que tem o efeito prático de transformar essa gestante de vítima em coautora de crime e reduz em mais da metade a pena do consentido a realizar o aborto. No artigo 128, em que o consentimento válido é requisito para a realização de aborto no caso de gravidez resultante de estupro, a gestante de mais de 14 e menos de 18 anos é tida como incapaz. Esta valoração discrepante do consentimento nos dois dispositivos evidencia uma violência simbólica que reproduz, reflete e perpetua a dominação masculina.