Parte da produção narrativa contemporânea hispano-americana se localiza nas fronteiras entre a realidade e a ficção, sobretudo quando consideramos os gêneros escritos em primeira pessoa, denominados de escritas de si. Nesse contexto, a literatura contemporânea estabelece uma linha tênue com a história, apresentando-se como um canal de denuncia e crítica social. Não obstante, parte das escritas de si que compõem a literatura hispano-americana ocupa-se das histórias de vida de escritores e intelectuais que criticaram o modelo autoritário vivido no continente. Interessa-nos, particularmente, discutir o contexto de autoritarismo cubano, evidenciado pelo regime comunista de Fidel Castro. Para tanto, apresentamos uma breve análise da autobiografia “Antes que anoiteça” (2009), do escritor cubano Reinaldo Arenas, para refletir sobre as fronteiras entre a realidade e a ficção e discorrer sobre a autobiografia como um canal de reivindicação social a partir do conceito de ‘dever de memória’, cunhado pelo escritor Paul Ricoeur (2007). Na análise proposta, percebemos uma aproximação entre a autobiografia e o conceito de autoficção, exemplificando uma problemática interessante para os estudos literários: a construção narrativa ficcional em gêneros referenciais localizados nos limiares entre a realidade e a ficção. Para tanto, fundamentamos-nos nas contribuições teóricas sobre memória de Ricoeur (2007), nas noções de narrativa cubana contemporânea de Palmer (2002) e Zaldívar (2002), nos estudos sobre autoficção de Gasparini (2014) e nas contribuições sobre a relação entre literatura e história de Esteves (2010).