Seguindo o pensamento de Deleuze e Guattari, em O que é a filosofia? (1992), a arte seria um composto de sensações (os afectos e perceptos), tendo como objetivo afetar indivíduos envolvidos em momentos de experiência estética, lhes trazendo sensações diferentes daquelas que experienciam ordinariamente. Hans Ulrich Gumbrecht, que lida com os afetos por outro viés, os chamando de “efeitos de presença” ou “momentos de intensidade”, argumenta, em livros como Produção de presença (2010) e Atmosphere, Mood, Stimmung (2012), que obras de arte têm maior potencialidade em evocar tais momentos. Gumbrecht também diz que são as materialidades específicas da arte que lhe conferem tal potencialidade. No entanto, esses autores não explicam como ocorre a presentificação, como o afeto atinge o indivíduo. Deleuze e Guattari lidam com a questão dos afetos como conceito. Já Gumbrecht se centra nas materialidades das obras de arte que analisa, dando pouco espaço ao indivíduo afetado. Frederik Tygstrup, em mini-curso sobre afetos, ministrado na PUC-Rio em 2012, argumentou que a questão primordial em estudos sobre afetos deveria ser compreender porque algo se torna significativo para um determinado indivíduo, porque algo o afeta. Para tal, Tygstrup afirma que deveríamos mapear os processos em que os afetos contidos numa obra de arte atingem tal indivíduo, mais especificamente o momento que ele define como “encontro”. Tygstrup afirma que este deve ser pensado como um fenômeno material, dependente de dois fatores: corpos, que entendo como indivíduos envolvidos num circuito comunicativo (autor e leitor), e tecnologias midiáticas, obras de arte. Devemos, portanto, buscar entender como a arte e suas materialidades são apreendidas por indivíduos em momentos de experiência estética, ou seja, como ocorre o processo de recepção. Considerando esses desdobramentos, creio ser proveitoso buscar mapear o encontro mencionado a partir da ótica construtivista de Siegfried Schmidt, que pensa a arte exatamente como um circuito comunicativo influenciado por diversos fatores presentes na sociedade. Seguindo essa ótica, ao pensarmos no processo de recepção devemos levar em consideração as diferentes histórias e discursos que informam os horizontes de expectativas de leitores (no caso específico da literatura). Não é somente o processo de atribuição de sentidos a um texto específico que depende do horizonte de expectativas, mas também o encontro. Em minha presente pesquisa (desenvolvida como tese de doutoramento), lido com a questão dos afetos em discursos não-ficcionais (autobiografia) e ficcionais (romance autobiográfico). Defendo, assim como Gumbrecht, que o discurso ficcional tem maior potencialidade em afetar o leitor. Mas, diferentemente de Gumbrecht, penso não ser apenas pelas materialidades da ficção, mas, também, pela maneira como somos levados a abordá-la. Desejo discutir essa noção a partir dos pressupostos construtivistas acima apresentados, exemplificando com passagens do corpus de minha pesquisa, retirados tanto de obra não-ficcional, a autobiografia O pequeno Wilson e o grande Deus, quanto de obra ficcional, o romance autobiográfico Enderby por dentro, ambos do escritor inglês Anthony Burgess.