Historicamente, a desigualdade social que marca o Brasil se materializa, entre tantos fenômenos, em intensos conflitos agrários. A concentração de terras, muitas vezes sem o empreendimento de esforço por produtividade, apenas investindo-se na especulação de seu valor, contrasta com a imensa massa de camponeses que indispõem de propriedade, marginalizados do processo produtivo rural e subordinados ao poder arbitrário dos grandes latifundiários, que não raro dispõem de milícias pessoais que executam o poder coercitivo, na forma de jagunços ou pistoleiros. Nesse contexto, o Movimento dos Trabalhadores rurais Sem Terra (MST) foi fundado em busca de uma luta popular por reforma agrária. Nesse diapasão, o presente trabalho se propõe a estudar de que maneira, na concretude de sua luta cotidiana, o MST empreende não apenas uma luta pela implementação de instrumentos jurídicos já oficializados, como a reforma agrária e o valor social da propriedade, mas promove, também, novas perspectivas sobre direitos humanos, bem como recursos para implementá-los à população que mais sofre com a insatisfação de suas necessidades fundamentais, em especial os trabalhadores e as trabalhadoras rurais sem terra. Para isso, foi feita uma pesquisa bibliográfica exploratória no intuito de melhor compreender a história e as dinâmicas do MST, bem como melhor estabelecer as perspectivas de direitos humanos vigentes no Direito brasileiro e aquela empreendida pelo movimento. Além disso, foi realizada pesquisa empírica, pelo método de observação externa, para estabelecer uma melhor relação de compreensão com as demandas, posturas e ações do MST, investigação essa desenvolvida junto aos militantes do movimento no Centro Educacional Patativa do Assaré, localizado no município da Macaíba, no Rio Grande do Norte. Adota-se, também, como marco teórico, a perspectiva de pluralismo jurídico comunitário-participativo formulada por Antonio Carlos Wolkmer, que visa reconhecer a produção jurídica de movimentos populares organizados, como a formulação do Direito Achado na Rua de José Geraldo de Souza Jr., que investiga como o povo, em suas relações cotidianas, produz novas formas de juridicidade. Pelas informações levantadas, percebeu-se que o MST pauta questões pertinentes à produção agropastoril, alimentação e sobretudo propriedade em um viés que foge das engessadas concepções individualistas estabelecidas pelo Direito liberal. Isso significa que a luta pautada pelo movimento não é por direitos individuais, e os militantes do MST não pautam sua luta em busca de satisfações pessoais. Trata-se, aqui, da construção de um sujeito coletivo de direitos, cujas demandas e propostas se dão no campo comunitário, a partir da participação ativa de seus membros nas diferentes atividades e discussões do movimento. Além disso, essa construção promove até mesmo novas concepções no que concerne aos direitos humanos postos em pauta pelo MST. A propriedade, direito tradicionalmente compreendido como garantia individual, aqui ganha um caráter coletivo. O mesmo ocorre com as relações produtivas e alimentares, que para o movimento dizem respeito a uma construção conjunta vinda da coletividade e direcionada para ela. Conclui-se, assim, que é salutar a atuação de movimentos sociais, que têm no MST um significativo representante, na composição de um processo dialético de produção de novos direitos e instrumentos jurídicos e outras perspectivas sobre aqueles já tradicionalmente consagrados. O reconhecimento da participação política e acesso à Justiça dos sujeitos coletivos de direito permite trilhas novos caminhos rumo à edificação de um ordenamento jurídico mais atento às carências fundamentais de seus grupos populacionais mais marginalizados.