ARAUJO, Gabriel Matheus Dos Santos De. Socioeducação e as questões de gênero. Anais VII ENALIC... Campina Grande: Realize Editora, 2018. Disponível em: <https://mail.editorarealize.com.br/artigo/visualizar/52626>. Acesso em: 23/11/2024 15:34
Apesar de observarmos ao longo da história ações contra a opressão sofrida pelas mulheres, foi somente no inicio do século XX que elas ganham mais visibilidade e expressão, principalmente a partir do movimento Sufragista, que tinha como objetivo ampliar o direito ao voto também a esse público (LOURO,1997). A partir da década de 1960, o movimento feminista ganha um novo viés, deixando de ser apenas político social, incluindo questões teóricas, problematizando conceitos sobre gênero e fundamentando suas ideias na escrita de livros, jornais e revistas sobre o tema, como é o caso do livro "Política Sexual" de Kate Millett (1969). No Brasil, a primeira onda feminista também esteve ligada ao direito de voto às mulheres a partir de 1910 (PINTO, 2010). Entretanto, o machismo presente em nossa sociedade, herança das bases sociais e religiosas, ao longo dos anos, inviabilizou muitos direitos e até hoje reflete em discursos e práticas sociais. Considerando que as questões relacionadas à igualdade de gêneros devem ser sempre debatidas nos mais diferentes espaços, este trabalho considera a potencialidade de levar a discussão do tema aos e às jovens em cumprimento de medida socioeducativamais especificamente de semiliberdade.. Segundo o 120° artigo do Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 2013), o regime de semiliberdade é definido como uma forma de transição para o meio aberto, tornando obrigatórias a escolarização e a profissionalização do adolescente. Considerando isso, o presente trabalho parte da importância de criar novos significados para os processos de ensino e aprendizagem, onde ressignificações sejam fomentadas a partir de uma perspectiva crítica e reflexiva e descreve atividades realizadas por licenciandos em química do Instituto Federal do Rio de Janeiro - Campus Duque de Caxias, participantes do grupo de pesquisa Escola e Sociedade, no Centro de Recursos Integrados de Atendimento ao Adolescente (CRIAAD) nas unidades Duque de Caxias (unidade masculina) e Nilópolis (unidade feminina) que fazem parte do Departamento Geral de Ações Socioeducativas (DEGASE). Ao longo das atividades buscou-se trabalhar a alfabetização cientifica com atravessamentos em gênero, sexualidade, diversidade e suas relações com o ensino de ciências. Como metodologia utilizada para os CRIAADs masculino e feminino para abordar as questões de gênero e sexualidade, usamos a discussão do tema fazendo perguntas às e aos adolescentes sobre termos como machismo e feminismo, além de um trecho de filme e um painel sobre datas referentes à trajetória das mulheres no Brasil. Utilizamos como recursos didáticos um trecho do filme "Estrelas Além do Tempo" (2016), que retrata a situação das mulheres negras na NASA na década de 60 e um painel feito em TNT (tecido não tecido), com uma linha do tempo com envelopes de plásticos datados e fichas de papel com acontecimentos históricos marcantes para a história das mulheres no Brasil. A cena do filme retrata a dificuldade de uma das personagens em conseguir ir num banheiro, já que no prédio onde ela trabalhava só existiam banheiros para pessoas brancas, e ela não podia usar. Com o uso do painel, a proposta foi que os e as adolescentes conseguissem, através da mediação dos licenciandos, relacionar os acontecimentos com as datas corretas. Por exemplo, 1827- Meninas podem frequentar a escola; 1934- Mulheres podem trabalhar fora sem pedir autorização do marido; entre outros. Ao longo da atividade, eles e elas debatiam entre si sobre o que achavam ter acontecido primeiro e sobre o que pensavam a respeito daquelas leis. A intenção foi gerar problemáticas que pudessem ser discutidas e desconstruídas com a mediação. Entendendo as instituições como agenciadoras de relações sociais e produtora de subjetividade, há que se considerar que os e as jovens que cumprem medida socioeducativa nos CRIAADs sofrem atravessamentos não só da família e da escola, como sas facções criminosas e do próprio DEGASE, que normalizam e estruturam os corpos, os comportamentos e os discursos (Foucault, 1975). Os jovens do CRIAAD masculino reproduzem falas que são oriundas de uma vigilância ostensiva das normas de gênero, sendo machistas e desvalorizando o gênero feminino, tais como: "a mulher não pode trair, mas o homem pode"; "Mulher não tem direito de abortar, porque está tirando a vida de uma criança"; "Se o homem tem dinheiro, a mulher não precisa trabalhar pra ficar em casa cuidando dos filhos e dos afazeres", que são justificadas por processos sócio históricos de silenciamento feminino e da mulher (corpo e sexualidade). Já no CRIAAD feminino, o gênero e a orientação sexual se manifestaram como dúvidas de autodefinição, sexualidades fluidas, além da marginalização de travestis e transexuais. Muitas meninas não aceitavam a convivência com mulheres trans, pois gerava certa tensão tanto das jovens, quanto dos agentes socioeducativos, que justificavam com falas do tipo "mesmo a jovem trans se identificando como mulher, ela ainda tem um pênis, tendo desejos e podendo engravidar as meninas dentro do CRIAAD". Além disso, as meninas alegam que não comem no mesmo prato, não fumam do mesmo cigarro, não bebem no mesmo copo de uma mulher trans e não se relacionariam com uma mulher trans se ela ainda tivesse o órgão sexual masculino, alegando também não respeitar o nome social das mesmas, citando que: "(...) A mesma coisa da Raiane, sempre foi Lorran agora tem que chamar de Raiane por que está dentro de DEGASE, não vou chamar não, é Lorran mesmo." Somado a isso, os delitos femininos e as medidas socioeducativas também têm um forte atravessamento da questão do gênero, prova disso é que meninos e meninas que cometeram o mesmo ato infracional têm medidas completamente diferentes, "a mão pesa sempre mais para o lado das meninas" na hora da prescrição das medidas. Ao longo da atividade foi possível entender como as questões de gênero são vistas nos dois espaços e como tanto nas falas, quanto nas relações estabelecidas no dia-a-dia das instituições, uma visão excludente e estereotipada sobre diferentes gêneros e sexualidades são reproduzidas. Discutir esse tema em instituições de privação de liberdade foi importantíssimo para a formação dos futuros licenciandos, que tiveram que elaborar metodologias diferenciadas e adaptar a linguagem para desenvolver esses conteúdos em espaços não formais de educação, e com tamanha especificidade de público, auxiliando na desconstrução de preconceitos e numa formação mais humanizada, que pensa a ciência como estratégia para efetar e envolver pessoas subalternizadas, que vivem à margem da nossa sociedade. Para as instituições de socioeducação, essa tema serve para fomentar a reflexão desses sujeitos, muitas vezes reprodutores de violência, sobre suas próprias ações dentro e fora das instituições. Palavras-chave: Gênero e Sexualidade, Formação de professores, Socioeducação. Referências BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei n.° 8.069 de 13 de julho de 1990. ECA. Brasília, DF. Estrelas além do Tempo (Hidden figures). Direção: Theodore Melfi. Produção: Pharrell Williams, Theodore Melfi e Peter Chermin. Twentieth Century Fox. EUA, 2016 LOURO, G. L. Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva pós-estruturalista. Ed. Vozes, 6° edição. Petrópolis-RJ, 1997. PINTO, C. R. J. Feminismo, história e poder. Rev. Sociol. Polit., Curitiba, v. 18, n. 36, p. 15-23, Jun. 2010. FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Trad. Lígia M. Ponde Vassalo. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 1987.