Propomos uma análise-interpretação dos manuscritos não publicados dos espetáculos Violetas (2016), de Mayra Montenegro, e Isto não é uma mulata (2015), de Mônica Santana, tomados como representativos da produção dramatúrgica de autoria de mulheres do Nordeste brasileiro contemporâneo. A partir desse corpus, buscamos chamar atenção para as singularidades das experiências representadas, atinentes a mulheres atravessadas por distintos marcadores sociais; e, por outro lado, tecer aproximações entre essas experiências, no que tange, especificamente, à sua relação com a esfera do trabalho doméstico. Para tanto, lançamos mão dos seguintes referenciais teórico-críticos: o livro Calibã e a bruxa, de Silvia Federici (2019), cuja releitura da formação do capitalismo demonstra a subordinação das mulheres aos homens nesse sistema como decorrente da expulsão das camponesas na Europa dos séculos XVI e XVII da esfera do trabalho remunerado, à qual segue o nascimento da figura da “dona de casa” (representada, em chave crítica, em Violetas). E as reflexões de Lélia González (2020) reunidas no livro Por um feminismo afro-latino-americano, mais especificamente sua compreensão da figura da “mulata” como uma profissão (e não uma identidade étnico-racial) que teria duas faces: a da carnavalesca e a da empregada doméstica (ambas representadas, também em chave crítica, em Isto não é uma mulata) – cujo trabalho, mal remunerado, pode ser traduzido como uma atualização histórica da função exercida pela “mucama” no sistema colonial escravista contemporâneo do processo que Federici comenta. Assim, a partir desse estudo, buscamos refletir acerca das relações entre gênero, raça e a divisão do trabalho no sistema capitalista.