O objeto de estudo deste trabalho é constituído, primordialmente, pelo livro Viagem, de Graciliano Ramos, lançado postumamente em 19542. Neste, Graciliano relatou a sua passagem pela Tchecoslováquia e pela União Soviética em 1952. O escritor brasileiro durante esse período era militante do Partido Comunista e presidente da Associação Brasileira de Escritores. Viajou a convite da Sociedade para as Relações Culturais da URSS com os Países Estrangeiros a fim de assistir às comemorações do 1o de maio, Dia do Trabalhador. Com a exposição dessas impressões de viagem, Graciliano desejava testemunhar os pontos positivos e as conquistas sociais do sistema político soviético.No âmbito geral da obra de Graciliano, Viagem é pouco referida nos estudos críticos. Essa ausência pode acarretar visões incompletas em alguns casos. Nítidos exemplos dessa omissão são os ensaios Ficção e confissão (publicado de maneira esparsa em 1945, mas reelaborado por volta de 1955, após a morte de Graciliano, e publicado, em versão definitiva, em 1956) e Os bichos do subterrâneo (1961), nos quais Antonio Candido frisa um importante aspecto presente em toda a obra do escritor alagoano: a passagem da narração ficcional para a exposição de experiências vividas.A mudança apontada por Candido na narrativa de Graciliano é bastante plausível, pois as últimas obras do escritor alagoano são narrativas autobiográficas: Infância (1945) e Memórias do Cárcere (1953). Compartilhando da ideia de Candido, Silviano Santiago redigiu Em Liberdade (1981), obra ficcional na qual estaria um diário que Graciliano Ramos (narrador-personagem) teria escrito durante os dois primeiros meses após sua saída da prisão. Viagem, apesar de não ter sido posta em evidência por Candido nesses ensaios, deve ser observada com mais profundidade, pois também participa da mudança que ocorre no percurso literário do autor, da ficção para a confissão, e traz em si algumas características presentes na obra romanesca e na obra periférica do escritor. Assim sendo, este trabalho pretende propor encaminhamentos de leitura para a narrativa Viagem, interessante não só por apresentar o escritor alagoano redigindo em uma outra forma de composição textual que não o romance, como também pelas temáticas e questionamentos levantados a respeito da situação sociocultural do período.Portanto, tenta-se, em uma perspectiva de reabilitação histórico-literária: evidenciar o contexto social e político que cercou a época de produção de Viagem; analisar a repercussão deste contexto nos escritos sobre a União Soviética de Graciliano Ramos; observar aspectos formais da obra periférica de Graciliano Ramos; verificar a historicidade da forma adotada por Graciliano Ramos em Viagem; tecer considerações sobre os assuntos abordados em Viagem; relacionar essa narrativa a outros escritos do autor e de outros escritores do período; e propor encaminhamentos de leitura para a obra em questão tendo em vista a recepção desta na atualidade.