BECK, Ana Lúcia. Resta afeto inverso em vasto verso. Anais ABRALIC Internacional... Campina Grande: Realize Editora, 2013. Disponível em: <https://mail.editorarealize.com.br/artigo/visualizar/4166>. Acesso em: 24/11/2024 23:01
Liberta-se a escrita da prisão da ordem e da gramática quando o poeta fala do mundo que havia antes do mundo se fazer mundo, quando cria imagens com palavras. Abre-nos os olhos e chama para o interior o pintor quando nos exige ler o que esperávamos fosse apenas “imagem”. Retorna o que seria passado ao presente da obra. E onde procuramos razão, deparamo-nos com sua falha: afeto? Quando afeto e desafeto, sentimento e ressentimento alimentam a obra? Quais as tensões, atenções, proximidades e distâncias do processo criativo? Estas são algumas questões que configuram o olhar investigativo para as obras plástico-visuais do brasileiro José Leonilson Bezerra Dias (1957 – 1993) e da franco-americana Louise Bourgeois (1911 – 2010). Um dos pontos de aproximação entre os artistas é a maneira como, na obra de ambos, palavra e imagem se articulam. Em tal confronto, necessitam ser percebidas ao se articular um sentido para a obra. Obra articulada em um processo criativo que se opera em conexão intensa com o sujeito do autor, ou de uma “ideia de poeta” conforme indicada por Carlos Drummond de Andrade. A presença de elementos subjetivos na obra de Drummond também depõe sobre uma postura de olhar e falar de, ou com sua própria subjetividade, muito próxima da postura poética de Leonilson e Louise. O que tem fala, para eles, serão em grande parte aquelas inquietações que percebem em si próprios, aqueles aspectos, emoções e incômodos de origem subjetiva que, em função do processo que se permite o poeta, tornam-se em alguma medida conscientes. A descida ao inferno, o escavar-se e retorcer-se é muito mais do que compensação às frustrações da vida, é ressentimento que produz dimensão real, plástica. Frustração, desejo, medo, deixam-se cair na espiral psíquica e descobrem um espaço marcado pela ausência de começo e de fim: nostalgia e memória e suas possibilidades dimensionam obras que se articulam sobre a tensão entre afeto e desafeto. Cair em si mesmo, espiral do processo criativo. Fúria velada, apagada, contornada em Leonilson, fúria iluminada em Louise. A busca pelo outro, o desejo e sua frustração, assim como em Drummond, mais do que temática da poesia, da obra, são força propulsora da ação de realizar a obra. Se em Louise o processo é compartilhado em alguma medida com o psicanalista, com a escuta presente do outro, em Leonilson marca-se o diálogo ensimesmado, a solidão da descoberta. Poetizar é mirar-se em abismo. Todo processo criativo, e em certa medida todo jogo afetivo é este olhar-se ao fundo, para encontrar no fundo nós mesmos. E este espelho eventualmente nos assusta, posto que não é possível simplesmente entendê-lo. Há que vivê-lo, maravilhando-se e inquietando-se com a fenda, afinal, na elaboração poética, ver-se é descobrir-se em imagens de afeto e desafeto: solidão.