As discussões no contexto da educação, do ensino e da aprendizagem apontam para as subjetividades e os processos de subjetivação na escola, como aspectos importantes de atenção e análise. Frente às impactantes transformações histórico-culturais na sociedade pós-moderna, os desafios que se colocam no campo da ética nas/das relações e, portanto, no campo do outro, são desafios que não somente constituem e fazem parte dos modos de subjetivação na atualidade como são demandas constantes e urgentes. As reflexões que se pretende apresentar nesse trabalho fazem parte dos argumentos que embasam o projeto de pesquisa no curso de Doutorado em Ensino e que tem como temática central a subjetividade docente no cotidiano das práticas de ensino . Na base do que se busca investigar está a subjetividade docente e a percepção do professor a respeito de si mesmo, de seu lugar e papel no exercício docente, na relação com seus alunos, com seus pares. Entende-se que esses aspectos de seu ofício estão diretamente articulados em suas vivências cotidianas e subjetivas. E por que se entende a importância e necessidade de abertura de mais espaços a essa subjetividade, se defende que momentos e vivências de fala-escuta na escola podem promover experiências exitosas de partilha e, consequentemente, redes integracionistas e colaborativas entre os próprios professores, tendo como um dos possíveis efeitos, no ato de ensinar, uma maior aproximação e integração com o aluno. Ou seja, escutar esse sujeito docente é considerar, eticamente, a singularidade do ato docente. Ao se promover maior abertura a essas singularidades, promove-se bem-estar e valoração da pessoa do professor, do seu lugar e de seu papel. Dos temas dos quais se parte na discussão argumentativa deste estudo, estão aspectos que compreende-se importantes de atenção e análise também no campo social. Há aí, inicialmente, a problemática e crise do rompimento ou declínio da representação simbólica de autoridade em instituições como família, educação e religião, nos moldes como tradicionalmente herdados. Um dos marcadores desse rompimento com a tradição e cujos efeitos são percebidos na escola são as transformações na família, quando esta transfere para a escola a tarefa de educar, cuidar e suprir das mais variadas formas. Trata-se de um modelo de hierarquia, por assim dizer, que produz fortes demandas à escola, sobretudo aos professores que, afetados, vivenciam, muitas vezes, sentimentos ambivalentes. O caráter relacional, portanto, na díade ensino-aprendizagem tem importante acento com Gert Biesta (2020). Para este pensador do ensino, o “apelo à educação como controle e aos professores como agentes de controle também é manifestado por preocupações sobre uma aparente perda de autoridade na sociedade contemporânea” (BIESTA, 2020, p.23). Biesta refere que a educação poderia ser instrumento para restaurar essa autoridade e, inclusive, a autoridade do professor, mas o que de modo conveniente é esquecido, ressalta, é que a questão da autoridade é também uma questão relacional e não de imposições. Com tais argumentos se retém tratar-se da necessidade de ambos, professor e aluno, tornarem-se sujeitos distintos e não objetos das intenções e ações de um e de outro. Esse caráter relacional parece então ser algo importante de atenção e análise na escola e no ensino. O momento que vivemos em sociedade, onde o risco do individualismo é muito presente, nos provoca e instiga a olhar àquilo que nos afeta. A relação de cada um com o mundo, com seus pares e com o diferente são partes na/da subjetividade humana necessitadas de maior consciência, espaços e investimento, sobretudo na escola. Nesse sentido as políticas de mensuração e a busca por resultados enquanto componentes das políticas educacionais na atualidade atendem as demandas de uma sociedade cuja lógica é predominantemente mercantilista. Isto produz não somente expectativas e pressões sobre o papel da escola, como também vem modificando e desafiando o papel do professor. E se no campo teórico o professor é retirado da centralidade e seu controle sobre o aluno é compreendido como algo falso e ultrapassado, na prática surgem outros e novos desígnios e desafios. Trata-se, ou, espera-se do professor, nesse universo social neoliberal e mercantilista, de políticas e sistemas de controle e padronização que prepare as crianças e estudantes para o mundo do trabalho. Se o professor vem sendo destituído do lugar de centralidade para ser visto como facilitador aos potenciais de seu aluno, sendo capaz de ajudá-lo a explorar a si mesmo, sua inteligência e capacidades, também parece verdadeiro que esse lugar prático e também subjetivo do professor atravessa crises de identidade, de pertença, de sentido. E se os primórdios da educação e do ensino produziram certas marcas que perduram, como por exemplo, os modelos verticalizados de controle e padronização na relação professor-aluno e na transmissão de conhecimento, essas marcas ao passo que vem sendo questionadas, também perduram. Contextos de crise e tensionamentos, portanto, se instalam quando a escola e o professor ficam postos como força de trabalho a serviço do mercado e como um lugar ou instrumento somente para resolver problemas da sociedade. Em tais cenários é importante olhar para a escola em sua dupla história, nos diz Gert Biesta. Na primeira perspectiva a escola surge para atender as necessidades da sociedade, não sendo possível dizer que não se trata de uma expectativa legítima, diz o autor. Na segunda historia e perspectiva é a escola “como um lugar entre a casa e a rua [...], um lugar de transição [...], um tipo de lugar no meio do caminho [...]” (BIESTA, 2018, p.22). Contudo, o aspecto frágil, ou, um deles, ressalta o autor, ao se olhar para a escola em sua dupla história e, portanto, para as expectativas e o que elas podem produzir, é ponto de tensão em seu próprio tecido. “Uma tensão entre necessidade de atender às demandas da sociedade e a necessidade de preservar-se destas” (BIESTA, 2018, p.22). É como se a escola servisse a dois senhores e “isso causa particulares desafios para os professores” (BIESTA, 2018, p.22). As expectativas de se ver a escola como instrumento para resolver problemas da sociedade não deve ser sua única função, diz Biesta. Ela deve ser resistente às demandas que a sociedade quer impor, sob o risco de desaparecer do campo de visão aquilo que “a escola deve cuidar e proteger” (BIESTA, 2018, p.21). Nesses termos há, então, a necessidade de uma reconexão com a verdadeira finalidade da educação, e nisto a produção de subjetividades têm seus próprios arranjos nesse meio. Contudo, este autor faz um alerta, frente à realidade da educação dominada pelas políticas de mensuração, comparações e resultados educacionais a orientar grande parte da política educacional (BIESTA, 2013, p. 822), de que as “noções de ensino como intervenção e aprendizado como resultado são compreensões mecanicistas das complexidades da educação” (BIESTA, 2020, p. 61). Para ele, se a aprendizagem se volta totalmente ao serviço do mercado é necessário que seja libertada disto, uma vez que já se confirmou como fracassada a ideia de deixar ao professor toda a responsabilidade pelas realizações dos alunos. Com Gert Biesta apreende-se, então, que na sociedade pós-moderna, no conceito de aprendizado/aprendizagem, a dimensão relacional professor-aluno tem caráter imperativo, bem como sobre a importância dos processos subjetivos no ensino. Nesses, o que mais importa, sublinha o autor, “é a qualidade da subjetivação, isto é, o tipo de subjetividade – ou os tipos de subjetividade que são tornados possíveis em razão de particulares arranjos e configurações educacionais” (BIESTA, 2012, p. 819). Assim, a partir da busca por uma compreensão pormenorizada da subjetividade docente no cotidiano do ambiente escolar, e, pensando-se num cenário social de crise de autoridade que parece afetar também a figura do professor, que se coloca a pergunta: o gesto docente e pedagógico, enquanto assinatura singular do professor é capaz de ativar (novamente), ou, então, revigorar o sentido de pertença e de autoridade de ser professor? Com estas reflexões iniciais vislumbra-se o objetivo de pesquisa que possa compreender e problematizar a subjetividade docente enquanto dimensão ética no ato de ensinar, conhecendo e analisando a percepção de professores sobre como a ampliação de espaços de fala-escuta para/entre professores no cotidiano das atividades escolares pode contribuir efetivamente em suas práticas de ensino. No caminho metodológico de pesquisa, a abordagem investigativa que se visualiza como adequada a essa finalidade é a abordagem qualitativa. Tendo-se presente a ideia da pesquisa de campo, o público-alvo, objeto desta investigação, são professores ativos e em sala-de-aula. Dos recursos à produção e coleta de dados busca-se a organização e acompanhamento de dois grupos de professores, através de vivências de fala-escuta. O locus da pesquisa tem no espaço escolar seu principal cenário. Outras delimitações tais como período e frequência de acompanhamento desses professores compõem o conjunto de ações a serem definidas para que se concretize a pesquisa de campo. Observa-se, contudo, que a participação seja de professores do ensino público e privado. Desta forma vislumbra-se, primeiramente, que a análise do ambiente social em seus atravessamentos no cotidiano da escola revele o quanto os fatos e desafios da vida em sociedade ficam refletidos diariamente na subjetividade do professor e na ação docente no contexto diário da sala de aula. E pensando-se em potenciais criativos na escola, espera-se que os resultados desta pesquisa possam ser de alguma forma, propositivos nas atividades cotidianas das instituições e dos professores participantes. Que os resultados apontem caminhos, reconhecendo nas vivências de fala-escuta, enquanto experiência integracionista, como tais vivências incidem nas práticas de ensino, bem como que os resultados revelem a partir de quais os aspectos que a fala-escuta se faz efetiva na potencialização dos sentimentos de pertença e percepções valorativas do professor sobre si mesmo e sobre seu ofício. Palavras-chave: Sociedade; Subjetividade; Docente; Ensino. REFERÊNCIAS BIESTA, G. A (re)descoberta do ensino. São Carlos: Pedro & João Editores, 2020. BIESTA, G. Boa educação na era da mensuração. Tradução: Teresa Dias Carneiro. Cadernos de Pesquisa, v.42, n.147, p.808-825 set./dez. 2012. BIESTA, G. O dever de resistir: sobre escolas, professores e sociedade. Educação (Porto Alegre), v.41, n.1, p.21-29, jan.-abr.2018.