Os ideais gregos de saúde apresentaram grande influência sobre a medicina ocidental, de tal modo que até hoje o nome Hipócrates (considerado o “pai da medicina”) ainda é pronunciado em muitos juramentos acadêmicos de médicos recém-formados. Médico e filósofo, Hipócrates ganhou notoriedade no Ocidente por dar a essa arte (tekhné) de cura – anteriormente ligada fundamentalmente à religião – um viés que muitos hoje chamarão de “científico”, guardadas as devidas diferenças com o que atualmente concebemos por ciência. Isso tem uma razão simples: apesar de manter-se atento ao campo espiritual (por conceber que a psyqué humana está associada à psyqué cósmica), ele se preocupou em observar metodicamente os fenômenos, disso derivando prognósticos mais articulados às suas repetições naturais. Contudo, o que propomos neste estudo é analisar um tema inserido no entremeio do viés religioso e “científico” da medicina hipocrática: a teoria dos quatro humores. Queremos analisar essa teoria, tentando entender como – através dela – Hipócrates explicava a relação entre doença/debilidade e saúde/cura a partir tanto do equilíbrio dos líquidos (humores) do corpo humano, quanto da harmonia que o sujeito estabelece com a natureza (phýsis) que o envolve. Analisando, pois, essa teoria humoral, adentramos num campo de conhecimento que até hoje tem muito a nos ensinar, especialmente por sermos contemporâneos às críticas a uma medicina cartesiana que privilegia o médico como o sujeito da cura (em detrimento do sujeito-paciente) e que não concebe a doença como um fenômeno emergente da desarmonia da vida do sujeito em sua relação com o meio no qual está inserido.