Como invenção grega, o teatro se revelou um importante espaço de formação humana (paidéia) para a civilidade, porque mesmo para indivíduos da clássica pólis ateniense, ser um ánthropos (ser humano) virtuoso pressupunha não só ter excelência cidadã, mas zelar pelos princípios éticos oriundos da tradição mítico-religiosa que educou os gregos para o respeito às leis divinas. O teatro não foi concebido como um mero lugar de entretenimento, mas como um ambiente pedagógico tanto para se aprender a ser um bom cidadão, quanto para se aprender os caminhos para uma vida livre dos infortúnios de quem não busca cultivar saúde ética (conceito, aliás, marcante na tradição mítica e influente na medicina hipocrática). Dialogando com essa tradição e requerendo entender o potencial pedagógico-terapêutico do teatro no imaginário grego sobre o bem viver, este estudo assume – como referenciais de análise – as obra “Poética” de Aristóteles, “Mito e tragédia na Grécia antiga” de Jean-Pierre Vernant, como também a análise de dados sobre a presença de teatros nos mais importantes centros de cura da Antiguidade, mais especificamente em Heliópolis (Egito) e Epidauro (Grécia). Como resultados, a referida investigação revela que, na concepção típica da paideia, não há saúde sem ética. Afinal, essa tradição concebe a saúde como um complexo de bem-estar não só corpóreo, mas também mental/espiritual. Pressupunha que quando os seres humanos se desviam dos seus pendores e paixões, mentem para si e para os deuses (por se afastarem da vida ética que estes sugerem para o seu destino cósmico), assim adoecendo. Os infortúnios existenciais das personagens das tragédias gregas mostram o caminho crítico dos que se desviam das virtudes do bem viver, motivo pelo qual centros de cura como o de Epidauro possuíam um teatro: lembrar que aprender a viver com sabedoria é uma premissa terapêutica inalienável.