Introdução O presente relato de experiência visa apresentar a sistematização dos resultados dos diagnósticos comunitários e escolares do subprojeto interdisciplinar do programa de iniciação à docência do curso de licenciatura intercultural do Instituto Insikiran de Educação Superior Indígena da Universidade Federal de Roraima-UFRR. O subprojeto tem como principal objetivo explorar as conexões entre os diferentes conhecimentos que compõem a área de iniciação à docência na Licenciatura Intercultural e favorecer a construção de espaços críticos e propositivos para a formação de professores indígenas, levando em conta principalmente os princípios da interdisciplinaridade e da interculturalidade. O campo principal para onde se destina o projeto, portanto, é o da formação de professores/as indígenas a partir dos marcos da interdisciplinaridade. Nesse projeto em especial são tomadas como áreas de interlocução aquelas que compõe o tripé formativo do professor indígena do Curso de Licenciatura Intercultural Indígena do Instituto Insikiran da Universidade Federal de Roraima: Ciências Sociais, Ciências da Natureza e Comunicação e Artes (CARVALHO, et. al,2008). A grande maioria dos/as bolsistas integrantes do presente subprojeto interdisciplinar, já atuam como professores/as nas escolas indígenas de Roraima. Parte dos processos de inserção dos/as licenciandos/as no cotidiano escolar já se dá, portanto, pela própria convivência dos bolsistas com os agentes escolares e pela própria vivência nas comunidades em que estão inseridos/as. Portanto, os diagnósticos comunitários e escolares foram ponto de partida para o aprofundamento dos/as bolsistas na realidade da estrutura escolar local, seu currículo e atividades, engajando os mesmos com o cotidiano escolar. Tal convivência com o contexto local, ao lado da concretização de diagnósticos e mapeamentos das realidades escolares, proporcionaram a necessária inserção dos/as bolsistas nas dinâmicas e práticas das escolas públicas de educação básica. Metodologia e referencial teórico: Os dados sistematizados são resultados de pesquisas de campo realizadas pelos/as bolsistas PIBIB no período de novembro de 2022 a julho de 2023 em vinte e duas comunidades e escolas indígenas de Roraima, distribuídas nas terras indígenas Alto, Médio e Baixo São Marcos, Raposa Serra do Sol, Serra da Moça, Serra da Lua, Alto Cauamé e Araçá, localizadas nos municípios de Pacaraima, Amajari, Boa Vista zona rural, Alto Alegre, Normandia, Bonfim e Uiramutã habitadas pelas etnias Macuxi, Wapichana, Ingaricó e Taurepang. As pesquisas de campo foram realizadas por meio de observação participante na comunidade e nos espaços escolares, entrevistas semiestruturadas com gestores/as escolares, lideranças indígenas, estudantes e professores/as, além da pesquisa-ação, tendo em vista, como dito anteriormente, que a maioria dos/as bolsistas já atuam como professores/as na educação básica. Além da elaboração da pesquisa e aplicação da pesquisa nas comunidades, uma maior produção de dados foi surgindo e sendo aprofundados, na medida do possível. A perspectiva de interculturalidade crítica refuta a ideia do multiculturalismo como um encontro de pessoas portadoras de culturas diferentes de forma “harmônica” e “angelical”, cuja qual, na maioria das vezes, tendem a ter suas práticas sociais e conhecimentos essencializados e folclorizados de forma superficial e estática. Para essa corrente de pensamento, o conflito é parte integrante das relações interculturais e problematiza as formas de dominação e desigualdades estruturantes na sociedade desde a perspectivas dos/as subalternos/as (BERTELY,2009; GASCHÉ,2010; WALSH, 2007). Neste sentido, Gunther Dietz, alerta que mais que uma corrente de pensamento e um modelo teórico, a interculturalidade é projeto político, normativo e prescritivo de transformação da sociedade. Logo, os diagnósticos das comunidades e das escolas foram fundamentais, tendo em vista que a educação específica e diferenciada deve considerar o contexto indígena e promover um diálogo simétrico entre as epistemologias indígenas e não indígenas. Educação diferenciada não implica apenas na mera instrumentalização do reconhecimento das diferenças, mas na escola enquanto instrumento de transformação da realidade social e de subversão da dominação reproduzida dentro e fora do ambiente escolar (LUCIANO BANIWA, 2019). Os princípios de coletividade indígena devem ser considerados, portanto a escola não pode ser uma instituição isolada do espaço comunitário. A comunidade deve ter participação ativa dentro da escola, assim como os conteúdos debatidos dentro da escola devem estar articulados com a realidade da comunidade (NASCIMENTO POTIGUARA, 2018). Resultados e Discussão Os diagnósticos realizados pelos/as bolsistas sobre as comunidades e as escolas estão em fase de análise e revisão final. Contudo, já é possível apresentar uma panorama geral dos desafios recorrentes identificados pelos/as bolsistas do PIBID da Licenciatura Intercultural. Do ponto de vista dos problemas pedagógicos, percebe-se a falta de estimulo à leitura e conhecimento da história de cada povo; a presença de alunos/as venezuelanos/as com dificuldades para falar a língua portuguesa e falta de articulação do conteúdo escolar com contexto cultural e comunitário. Com relação aos problemas familiares e comunitários, identificou-se a preocupação com o deslocamento de alunos fora da comunidade para cursar o ensino médio; dificuldades dos pais para acompanhar as atividades da escola; a demarcação das terras indígenas em ilhas, tendo em vista as implicações na qualidade de vida dos membros da comunidade, uma vez que a comunidade cresce em números e os recursos disponíveis nas ilhas são insuficientes; o avanço da monocultura e seus impactos na saúde e nas formas de sustentabilidade da comunidade e problemas socioambientais de lixo e queimadas. No que diz respeito aos desafios presentes na escola, podemos enumerar as seguintes questões: Infraestrutura inadequada e insuficiente. Muitas das escolas participantes possuem apenas um “malocão” e espaços pequenos que não tem condições para os alunos assistirem as devido a incidência de sol ou chuvas . Além da ausência de quadros, banheiros, laboratórios de informática e materiais pedagógicos. Existe falta de consenso entre professores e membros da comunidade com relação ao currículo escolar que considere o modelo desenvolvimentista individualista e competitiva ou modelo de existência das comunidades, coexistência e retribuição em seus territórios e a ausência de um Projeto Político e Pedagógico próprio, tendo em vista a falta de adesão de um currículo específico e diferenciado por parte da secretaria estadual de educação. Por fim, os desafios apresentados pelos/as professores/as: Dificuldades para o acesso e o uso de tecnologias. Limitações de espaços para apresentação de seminários onde os alunos possam aprender a desenvolver habilidades de expressão oral. Além da falta de oferta de formação continuada que considere as especificadades indígenas, como por exemplo, o ensino em línguas maternas. Considerações Finais O Subprojeto PIBID da licenciatura Intercultural do Instituto Insikiran permitiu que os/as bolsistas que são professores/as em formação envolvido/as nas atividades tivessem acesso a formações que auxiliassem a superar os desafios encontrados na escola, como por exemplo, o letramento digital. Para os/as bolsistas que ainda não são professores/as, as ações possibilitaram que pudessem conhecer o ambiente escolar, percebendo formas de articulação da realidade comunitária com o currículo escolar. Além de refletir sobre categorias analiticas como interculturalidade e interdisciplinaridade, construindo pontes entre o aporte teórico discutido em sala de aula e a prática pedagógica do chão da escola. Por outro lado, percebemos que o modelo padronizado do PIBID não responde à realidade das escolas indígenas de Roraima, tendo em vista que a maioria dos/as bolsistas estão em escolas diferentes das supervisoras e do supervisor, chegando em alguns casos, a mais de 300km de distância da escola onde o/a supervisor/a ministra aulas em relação à escola que os/as bolsistas executam o subprojeto PIBID. Isso dificultou processos de comunicação e orientação das atividades. Por outro lado, as supervisoras e supervisores criaram formas criativas de acompanhar as atividades à distância. Outro desafio, em decorrência da falta de verbas, foi o não acompanhamento in loco das atividades do PIBID pela coordenação do subprojeto nas escolas e comunidades participantes. A dinâmica indígena permeada pela coletividade exige que todo projeto ou ação vinda de fora deve ser apresentada aos membros da comunidade pelo representante da comunidade envolvido na ação e o representante da instituição externa participante, no nosso caso, a coordenadora do subprojeto. A não realização dessa ação, implicou em falta de respaldo para realização das atividades e, consequemente, em obstáculos de acesso a dados e na qualidade da pesquisa desenvolvida. Por fim, podemos ressaltar que os diagnósticos realizados pelos/as bolsistas possiblitou identificar os desafios presentes na escola e na comunidade, tais como: atividades didáticos-pedagógicas; curriculo escolar; condições de infraestruturas e materiais; processos históricos; organização comunitária e cultural; entre outros. Os resultados foram fundamentais para a construção de indicadores preliminares da realidade atual das escolas indígenas em Roraima. Isso permite a constituição de subsidios aos/às bolsistas para o desenvolvimento da proposta pedagógicas de intervenção no âmbito da interdisciplinaridade e atendendo aos desafios escolares locais.