A COMPOSIÇÃO DO ROMANCE ATÉ QUE AS PEDRAS SE TORNEM MAIS LEVES QUE A ÁGUA (2017), DE ANTÓNIO LOBO ANTUNES, TEM A PECULIARIDADE DE ENGENDRAR A OBSESSÃO DE LEMBRANÇAS DO PERÍODO DA GUERRA COLONIAL EM ÁFRICA, MARCADO PELA VIOLÊNCIA GERADORA DE TRAUMAS AINDA NÃO CURADOS, ALÉM DE ELEMENTOS CONTINUAMENTE REITERADOS NA OBRA FICCIONAL DO AUTOR, COMO AS EVOCAÇÕES MEMORIALÍSTICAS SOBRE A ÉPOCA. NESSE CONTEXTO, AO ELEGER COMO UMA DAS LINHAS ARTICULADORAS DO TEXTO O ANTIGO RITUAL PORTUGUÊS DA MATANÇA DO PORCO, O AUTOR APRESENTA UMA CENA QUE NIVELA O COLONIZADOR, O SUJEITO COLONIAL E O ANIMAL EM UM MESMO PATAMAR, POIS TRÊS CORPOS BRUTALMENTE ABATIDOS ESTÃO SUBJUGADOS PELA VIOLÊNCIA DEFLAGRADA A CADA UM DESSES SUJEITOS: A MATANÇA DO PORCO PERMEIA A CULTURA E A TRADIÇÃO DO INTERIOR DE PORTUGAL; UM PORTUGUÊS, EX-COMBATENTE EM ANGOLA, É ASSASSINADO PELO FILHO ADOTIVO AFRICANO, TRAZIDO DE SUA ALDEIA NATAL PARA LISBOA, HÁ MAIS DE QUATRO DÉCADAS, COMO UMA ESPÉCIE DE CONDECORAÇÃO DE GUERRA; ESTE, POR SUA VEZ, APÓS ASSASSINAR AO “PAI”, É EXECUTADO PELOS QUE PRESENCIARAM A CENA COM A MESMA FACA UTILIZADA PARA MATAR O PORCO. A REFLEXÃO SOBRE ALTERIDADE, NA PERSPECTIVA DESENVOLVIDA POR RICOEUR EM O SI-MESMO COMO UM OUTRO, PERMITE QUE SEJA DESENVOLVIDA UMA ANÁLISE SOBRE AS PROJEÇÕES DO “EU” E DO “OUTRO” QUE, NO ROMANCE, PODEM SER CONTEMPLADAS TANTO SOB O VIÉS HUMANO QUANTO NÃO-HUMANO. ATÉ QUE AS PEDRAS SE TORNEM MAIS LEVES QUE A ÁGUA, PORTANTO, AO ABORDAR O TRAUMA DE GUERRA, APARENTEMENTE IMPOSSÍVEL DE SER CURADO, MESMO TRANSCORRIDAS VÁRIAS DÉCADAS APÓS AS PERSONAGENS TEREM DEIXADO O CAMPO DE BATALHA, REVELA TAMBÉM A EMPATIA DO NARRADOR PELO SOFRIMENTO ANIMAL AO APRESENTÁ-LO DE FORMA NIVELADA À DOR HUMANA.