EM "EPOS E ROMANCE" (1970), MIKHAIL BAKHTIN ELABORA UMA TEORIA DO ROMANCE COMO GÊNERO LITERÁRIO QUE CONSIDERA A RELAÇÃO HISTÓRICA ENTRE OS GÊNEROS, E DESTES COM A CONTEMPORANEIDADE, NO DESENVOLVIMENTO DA LITERATURA, SUPERANDO A DESCRIÇÃO SISTEMÁTICA DE TRAÇOS ESTILÍSTICOS. POR SER "O ÚNICO GÊNERO EM FORMAÇÃO" – CONCEBIDO E ORGANICAMENTE ADAPTADO À IDADE MODERNA, ENQUANTO OS GÊNEROS ANTIGOS CHEGARAM A ESTA ÉPOCA EM SUA FORMA ACABADA –, O ROMANCE É O GÊNERO MAIS APTO A REFLETIR OS PROCESSOS DE TRANSFORMAÇÃO DA REALIDADE. NESTE ENSAIO, ELE DEFINE O ROMANCE POR CONTRASTE À EPOPEIA. EM PORTUGAL, A EPOPEIA OS LUSÍADAS CRISTALIZA UM ILUSÓRIO SENTIMENTO DE GRANDEZA PRODUZIDO PELAS NAVEGAÇÕES DO SÉCULO XV, QUE PERMANECE LATENTE NA IDENTIDADE PORTUGUESA E, NO SÉCULO XX, É UMA DAS BASES IDEOLÓGICAS DA DITADURA SALAZARISTA, QUE JUSTIFICA A GUERRA EM ÁFRICA PELA MANUTENÇÃO DE UM ANACRÔNICO PROJETO IMPERIAL. O NOVO CONTEXTO DECORRENTE DA REVOLUÇÃO DOS CRAVOS DEMANDA UM NOVO PROJETO DE FUTURO E UMA NOVA NARRATIVA DO PASSADO NACIONAL, PERMITINDO À FICÇÃO PORTUGUESA UM AJUSTE DA HIPERIDENTIDADE NACIONAL PELA APROXIMAÇÃO COM A REALIDADE HISTÓRICA. NESTE CONTEXTO, ESTA COMUNICAÇÃO PROPÕE UMA ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE AS DUAS NARRATIVAS QUE COMPÕEM A ESTRUTURA FORMAL DO ROMANCE A COSTA DOS MURMÚRIOS, DE LÍDIA JORGE, A PARTIR DA REFERIDA TEORIA BAKHTINIANA. NOSSA HIPÓTESE É QUE A CONSTRUÇÃO ESPACIAL NESTE ROMANCE CONFRONTA O "PASSADO ÉPICO NACIONAL" AO "PRESENTE INACABADO" DO TERRITÓRIO COLONIAL, ENCENANDO A DISTINÇÃO FUNDAMENTAL ENTRE EPOPEIA E ROMANCE PROPOSTA POR BAKHTIN: UMA MUDANÇA RADICAL DAS COORDENADAS TEMPORAIS DA IMAGEM LITERÁRIA, CONSTRUÍDA, NO GÊNERO ROMANESCO, EM CONTATO MÁXIMO COM O "PRESENTE INACABADO", O TEMPO HISTÓRICO QUE PASSA E TRANSFORMA. A JUSTAPOSIÇÃO DOS DOIS GÊNEROS NO ELEMENTO ESPACIAL DESTE ROMANCE É UMA DAS ESTRATÉGIAS UTILIZADAS PELA AUTORA PARA CONFRONTAR A MITOLOGIA ÉPICA DO IMPÉRIO PORTUGUÊS COM A REALIDADE HISTÓRICA DA GUERRA COLONIAL.